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João e a Perdiz: vida interior não é o oposto de alegria e diversão.

Atualizado: 14 de ago. de 2020

Nina Veiga


"Um estrangeiro que ouviu falar em João, resolveu visitá-lo. Imaginava o santo homem estudando debruçado sobre manuscritos, aprofundando-se em grandes contemplações. Ele o visitou e ficou muito admirado ao ver João brincando com uma perdiz, que lhe comia da mão, enquanto ele fazia mil brincadeiras com a dócil ave. São João viu a surpresa do estrangeiro, mas fez de conta que não percebeu nada. Durante a conversa lhe disse: - Tu tens aí um arco? Mantém ele sempre tenso? - Deus me livre! - disse o estrangeiro e continuou – Isso não faz nenhum caçador. O arco iria afrouxar-se. Então João retrucou: - Com a alma humana também é a mesma coisa. Ela tem de ser solta, senão afrouxa!" Essa fábula, São João e a Perdiz, escrita pela mãe do escritor alemão Goethe para ensinar-lhe o valor do lazer, traduz o espírito da época de João: vida interior não é o oposto de alegria e diversão.




“O balão vai subindo, vai descendo a garoa. O céu é tão lindo, a noite é tão boa. São João, São João, acende a fogueira do meu coração”. João aquece corações. Com nossos corações aquecidos, estamos prontos para um momento de interiorização. Dentro de nós, nesta época, devemos acender uma fogueira, devemos contemplar nosso céu interior. Buscar no brilho de nossas estrelas, formadas pelas atitudes positivas que já tomamos, por antigas superações, a coragem para conquistar o propósito de nossas vidas. Essa chama que surge da reflexão e sobe em direção ao infinito de possibilidades deve poder nos preencher de poder e força.

Essa imagem mítica, advinda de João, se torna atemporal. Passado, presente e futuro se equivalem. Transformam-se em elementos atuantes no fortalecimento da vontade. Fortalecimento que se dá ao contemplarmos o passado, no momento presente, e que nos conduz ao futuro com maior confiança e fé. No escuro e frio da noite joanina, no brilho das estrelas, encontramos a imagem dessa ação interior, repetida anualmente com a ajuda de todos os ícones da época. Mesmo quem não acredita religiosamente se deixa contaminar pela tradição popular de uma profundidade atávica sem par.

Ao mesmo tempo em que João nos apresenta o caminho da reflexão, da atitude interior, nos mostra que isso pode ser feito com calor e alegria. Ou melhor: isso só pode ser feito com calor e alegria. Ao contrário do que muitos imaginam, vida interior não tem necessariamente a ver com austeridade, com estoicismo. A vida interior sugerida por João é repleta de alegria e diversão. O Anjo Gabriel ao anunciá-lo já predisse: "Alegria e regozijo te preencherão, muitos terão alegria por causa do teu nascimento". Por isso, neste junho de João, por mais difícil que esteja a vida, encontre a chama da alegria, divirta-se com as pequenas e múltiplas situações do cotidiano, um sorriso de uma criança, um espreguiçar de modo engraçado de um gato, a cara amassada de quem acabou de acordar, enfim, alegre-se com as miudezas e, ao mesmo tempo, mergulhe em si mesmo.

Nina Veiga é artemanualista, ativista delicada, educadora steineriana e doutora em educação. Idealizadora e coordenadora das pós-graduações: Artes-Manuais para a Educação, Artes-Manuais para Terapias, Artes-Manuais para o Brincar e o Currículo dos Trabalhos Manuais na Educação Steineriana.

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