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Sobre bonecos negros

Atualizado: 14 de ago. de 2020

Stella Ferreira


Faz algum tempo que tenho me dedicado a fazer bonecas (os) de tricô negros, e com isso tenho me deparado com alguns questionamentos que já aconteciam, mas que se tornaram ainda mais evidentes.


Por que praticamente não temos bonecas (os) negros no mercado? Dentro das opções que existem, quantos bonecos (me refiro aos meninos)?


Com quem as crianças negras se identificam? Com qual boneca estabelecem seus laços afetivos? Qual boneca (o) as representa?


Para a criança, a boneca é uma companheira presente nas alegrias, tristezas, perdas, comemorações; é com elas que estabelecem seus laços afetivos e com ela fazem sua história.


A boneca é a imagem do ser humano e a criança a imita e se identifica com ela.

No Brasil, país que possui uma população étnica variada e complexa, dificilmente encontramos bonecos que representem essa riqueza.


Aqui eu falo dos negros, mas e os índios? E os orientais? E as demais etnias?

A falta dessa imagem humana com que a criança se identifique, no futuro gera frustrações, não aceitações, imagens distorcidas de si mesmos, chegando ao ponto de confundirem o fato de ser bom ou ruim estar relacionado à cor da pele ou estilo do cabelo. Afeta a visão de beleza, já que é obrigada a se encaixar num padrão inalcançável.


E acontece, de as próprias crianças negras, não quererem bonecas negras porque as acham feias e ruins, porque o padrão imposto é esse, porque recebem imagens da televisão, livros e revistas reconhecendo como belo os cabelos lisos e pele clara, por exemplo.


Dessa forma, crescem sempre com um vazio, uma sensação de não pertencimento, pois não se enquadram no padrão estabelecido e se tornam adultos com baixa autoestima, inseguros e frustrados e de alguma forma, transparecem esses sentimentos para os filhos e assim formam-se os círculos de repetição de comportamento que os aprisionam.


Sendo assim, penso que o justo seria que que cada criança pudesse ter uma boneca com sua etnia, ajudando na construção da sua autoestima, e fazendo-a perceber que o mundo é composto por variadas etnias e o respeito a todas é fundamental.

E bonecos (meninos)? E meninos brincando de boneca?


Bonecos existem, porém são mais difíceis de encontrar. Talvez pelo fato de que meninos vestem calça/camisa/bermuda, sem muita variação e geralmente cabelo curto, e meninas tem um guarda roupa vasto de vestidos, calças, saias, blusas, além de acessórios de cabelo e penteados, que deixa a brincadeira mais dinâmica e são mais “fofas”.



Meninos que brincam com bonecos, ainda sofrem preconceitos nos dias de hoje, quando deveriam ser incentivados a esta brincadeira, exercitando o respeito e abrindo a possibilidade de expressar seus sentimentos de forma natural e saudável.

Todos esses questionamentos aparecem mais vivos quando faço bonecos negros.

Quanto mais eu faço, mais me dou conta da invisibilidade dos negros na vida real e nos bonecos.


Quanto mais eu faço, mais a realidade me assombra.

Fazer os bonecos são como uma ferramenta do despertar da consciência para com o outro.


Mesmo com os avanços que tivemos nos últimos tempos, estamos muito longe da igualdade e respeito.


Que possamos afinar nosso olhar para as diferentes etnias e que nossas crianças tenham a possibilidade de brincar com a boneca que as representa, formando, no futuro, adultos confiantes com a certeza que pertencem ao todo.




Stella Ferreira

Mãe Waldorf, empreendedora, criadora e idealizadora da Fios de Estrela.

Nossas redes sociais:

Instagram @fiosdeestrela


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